sábado, 30 de abril de 2011

Dia frio e estranho.
Daqueles meio branco e meio cinza.
Minha cabeça doía a cada passo. Rua molhada. Rua vazia.
Num dia qualquer aquele vazio me daria medo. Cada esquina, cada escuro.
Entretanto exausta nem pensei.
Cabeça fervendo, já etivera desde mais cedo quando saí do trabalho.
Trabalho. Nome justo. Trabalho.
Acho sempre meio fingindo quando alguém me fala que gosta de trabalhar. Talvez seja coisa da minha cabeça, garanto que se você estivesse dentro dela ficaria um tanto horrorizado com umas coisas que vão passando, mas elas vão passando e eu não posso fazer coisa alguma que não deixá-las passar. Quem sabe deixando, elas não passem pra outro lugar- de preferência fora da minha cabeça.
Barulho, regras, papéis, horários. Só uma cerveja para amenizar o final de um dia assim, e preparar para um semelhante.
Entrei no bar. Não dos mais populares.
Quis ver coisas bonitas, pessoas diferentes. Só ver.
Pedi a cerveja.
Me perdi em algum lugar em mim que não se passava nada. Nem pensamento. Quando voltei minha vista foi direto numa mulher. Elegante, vestido vermelho, uma boa maquiagem e salto. Lembrei de quanto tempo não me arrumava. Sempre quis um vestido vermelho bem sexy, e aquele ficaria lindo em mim. Mulher tem essa coisa de inveja, e nega até a morte se desfazendo até mesmo do que gosta só porque está em outra pessoa. Mas eu não estava pensando nisso. Achei a moça parecida comigo, se bem que ela era um tantinho mais velha. Cabelo curto, também já tive cabelo assim uma vez mas fazia muito tempo.
Mais uma cerveja e não me dava a mínima vontade de voltar pra casa, nem pra vida do dia seguinte, a música estava agradável.
A moça pediu wisky. Pra ser a mulher fatal só faltou fumar.
Até imaginei cenas de filme. Ri comigo.
Pouca comida, muita correria, fiquei sucetível a embriaguez. Continuei bebendo.
Não sei se vi coisas aquela hora da noite, mas a mulher tinha o meu rosto. Não é possível que minha mãe tenha escondido uma gêmea por aí, ri novamente enquanto ela vinha em direção a minha mesa.
Do riso fiz uma cara estranha pela nossa semelhança. Foi ficando mais confortável quando eu vi que já tinham quatro cervejas embaixo da minha mesa, e o bar estava à meia luz.
Falamos de músicas, das que faziam a gente sentir dor, das que faziam a gente pular na cama feliz de manhã, das que vinham cheias de memórias.
Falamos dos livros, os que nos tragava para dentro, os que terminavam molhados de lágrimas, os que nos lembravam nossa propria forma de escrever.
Ela também escrevia.
Falamos dos filmes, e aí foi um custo a mudar de assunto.
Mas me sentia a vontade. Falei do palco, meu pouco contato com ele enquanto fazia teatro e a minha louca vontade de uma aproximação maior. Cantei um pouco das minhas canções criadas com amigas em mesas de bar. Mostrei um desenho que eu carregava comigo na carteira, um dos mais significativos que fiz.
- É nisso que trabalha?
Lá se veio a pergunta que bagunça a vida. Não, não era em nada daquilo que eu trabalhava, respondi com os olhos distantes e reclamei que o tempo que eu tinha agora era pouco para fazer qualquer uma dessas coisas com intensidade.
-E você no que trabalha?
Ela hesitou, abriu um leve sorriso.
- Faço parte de uma parte que existe nos sonhos.
Que coisa louca, que emprego era esse. Pensei em em um filme que vi sobre uma empresa de sonhos. Meu rosto de dúvida exigia por si resposta.
- É isso mesmo. Tudo o que você gosta de fazer é o que eu faço na vida. Vem de dentro.
- E ganha para isso?
- Muito. Mesmo quando não ganho nada.
Passei uns dois minutos pensando.
Nem soube o que responder e muito menos o que perguntar.
Olhei minhas cervejas e o relógio, contei o dinheiro e pus na mesa.
Levantei, pedi um cigarro na mesa ao lado. Acendi.
Ela só me olhava.
Saí do bar.
Cabeça cheia e vazia a um tempo só.
Senti um pouco de medo, um pouco de solidão e um muito de vazio.
Eu estava virando um grande buraco, e assistia isso da camarote.
Assistir é fácil. Acho que vou fazer umas pipocas para ficar mais divertido.
Que embriagues maluca. Dormi.
Na manhã seguinte me bateram à porta. Atordoada e quase atrasada para o trabalho fui abrir, apenas uma caixa. Visualizei a rua por inteira, ninguém. Só a caixa.
Podia ser uma bomba mas a curiosidade nem me deixou pensar. Abri bem rápido.
Macio, vermelho.
Um vestido.

Fernanda Paz

2 comentários:

  1. Lembrei do que eu queria comentar, é que a Fernanda é sempre a mais reservada, dentre nóz(es) e quando compõe algo desse tamanho, consegue adquiri para seu texto as duas grandezas, a da forma e a da expressão.

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