terça-feira, 17 de maio de 2011

Branco

Lembro ainda daquela sala
de como meus olhos viam coisas fixas e tortuosas nas paredes brancas.
Como cheguei, pouco sei. Mãos emboladas, corpo duro e retorcido em formas quase impossíveis.
A consciência estava meramente naquela lágrima que escorria da face alagando a camisola branca.
Não conseguia sair.
Errado. Não queria mesmo sair.
E ele ali. Senti mesmo sem ver. Sentia sempre a presença. Quem não estava ali era eu e cedo ou tarde ele descobriria e seguiria em frente.
Sala ou quarto. Cadeira ou cama. Ali era lugar nenhum. Algum lugar em mim. Nenhum lugar de mim que eu quisesse realmente estar.
Por isso o branco. Agora entendia as roupas, o chão, o teto, as cobertas.
Durante maior parte do dia as coisas simplesmente passavam diante dos olhos naquelas paredes.
Alguns momentos, de súbito as mãos, o corpo, a dor, a lágrima. O grito rasgava a garganta. E não via ninguem, e via muitos. E agulha para voltar às paredes.
Quando saía do quarto branco, sempre eles. A me olhar com olhares de sabedores de mim.
Mesmo eu não o era. E como quisera ser por tanto tempo. Mas não sabia nem de mim nem de ninguem e pior, nem do mundo.
Agora lá, só olhares no lugar estranho de mim que não era mundo. Que não era nada.
E nem queria que fosse.
Também lá fora não.
Queria outro. Outro lugar no qual eu não conseguia ir sozinha, mas tinha pressa em ir.
Talvez ele tenha culpa.
Tinha sim o poder de me mandar para lá, mas não quis. Sozinha não. Não conseguia nem podia.
Lembro vago do jardim. Sempre fechei os olhos quando estava lá.
O cheiro das flores era torturante. Minha cabeça doía, doía, e o corpo começava tudo.
De volta ao branco. Ao furo na pele.
Acordei.
Ele.
Porque insistia? Eu não queria mais estar em lugar nenhum. Como ele podia saber se eu estava ali ou não.
Eu ficava invisível com força. Mas o olhar dele estava em mim.
Outrora, me afagaria como fez nas primeiras vezes naquele lugar e me pediria para ficar perto, para voltar, para não ir embora.
Eu voltava. Sempre.
Como foi duro vê-lo sendo arrancado de mim naquelas horas em que eu não conseguia sair sozinha.
Trêmula, saliva escorrendo, olhar fixo. Ainda sim eu sabia que no canto alguém o segurava para que ele não corresse até meu estranho corpo apertando contra o peito.
"ela não compreende" diziam.
Só me olhava desde então.
Também acariciava meu cabelo.
Talvez falasse. Nem sei.
Talvez não ouvi.
Virei as costas deitada na cama por muitas vezes.
Deixava uma flor do meu lado e saía.
Louco. Insitir no inútil é loucura.
A flor murchava no mesmo lugar em que havia a colocado. Sem toque algum. Depois sumia quando os panos estavam limpos.
Um dia, o pior de todos. Um amontoado de coisinhas enlaçado com uma fita.
Já estava por dias. Eu olhava apenas de longe.
Jardim de olhos fechados, pessoas sabedoras, de volta e ainda estava lá. Arrisquei tocar. Cartas velhas que não ousei ler, caiu do embrulho uma fotografia. Algo parecido comigo, mas rindo. E ele. Uma flor em meu cabelo. Felicidade.
Angustia tomando conta parte por vez e alastrando pelo corpo. Sentir as dores do corpo contra parede com força fazia amenizar. Gritos também.
E logo eu não estava só.
E dormia contra a vontade.
Acordava, ele e a flor. Olhar fixo em mim.
Sentia-me paralisada como que anestesiada. Nem um sussurro. Nem uma menção.
Mas algo em mim talvez quisesse não estar mais ali.
E voltar como mágica para dentro da fotografia.


Fernanda Paz...

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